quarta-feira, 23 de julho de 2008

Didática dos bichos!




Alguns livros têm a capacidade de permanecerem relevantes, diante das constantes e cada vez mais efêmeras mudanças da forma de organizar e entender a sociedade humana. A obra de George Orwell, A revolução dos bichos, compõe este acervo. O autor utiliza, de maneira magistral, a dinâmica e atração literária de que a fábula (narração alegórica, cujas personagens são, em regra, animais, e que encerra lição moral) é capaz de produzir.
Através da alegoria da fazenda dos animais, os seres humanos são os patrões, e os bichos, os trabalhadores. Decididos, em assembléias e reuniões anteriores, em que galinhas, porcos, patos, cavalos, cachorros, vacas e ovelhas, estavam sendo explorados pelos homens, os bichos organizam um movimento para expulsar os humanos da fazenda. Dentre as causas do movimento, atribuídas pela bicharada, estão: a conclusão de que os homens se apropriavam de tudo que eles produziam, beneficiavam-se do fruto do trabalho e esforço dos bichos, além de tornarem-se senhores dos corpos deles.
Ler um livro é peregrinar num mundo de descobertas, onde, muitas delas, revelam a vida e pensamento do próprio escritor. Nascido na Índia dominada pelos britânicos, George Orwell, parece ter feito de tudo um pouco: soldado, livreiro, lavador de pratos, professor e jornalista. Observou as péssimas condições de vida e a miséria, resultantes da exploração do trabalho das pessoas em várias partes do mundo.
Em A revolução dos bichos, é possível, sob um olhar pedagógico, delinear uma série de atividades didáticas para as salas de aula do ensino fundamental ao nível médio, abrangendo algumas disciplinas escolares. Privilegiando a análise histórica, podemos sugerir algumas atividades: a análise do contexto histórico no qual o autor estava inserido - alguns destes aspectos foram supracitados; o trabalho com conceitos históricos; a relação dos acontecimentos descritos na obra, com àqueles semelhantes, ocorridos em diferentes tempo e espaço; a influência ideológica da obra sobre o leitor, etc.
Orwell denunciava o tipo de governo aos poucos estabelecido por Josef Stalin na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a partir de 1927. Segundo o autor, esse governo se caracterizava pelo autoritarismo e pela opressão do povo, significando a primeira tentativa dos trabalhadores organizados de conquistar o poder e a direção de um país, tornando-se um símbolo para o movimento operário internacional.
Tendo sido identificados alguns aspectos deste momento histórico, podemos apontar alguns conceitos históricos inseridos nessa obra, a saber: tempo, trabalho, poder e cidadania. O primeiro conceito permite a identificação de que não existe uma só maneira de periodização dos fatos, já que, o tempo histórico é resultante de fenômenos sociais e de construções culturais (reorganização do cotidiano da Granja do Solar, onde funções e responsabilidades dos bichos foram atribuídas pela liderança do pós-revolução, imprimindo uma nova consciência de tempo, cronológico e imaginário, para os membros da granja).
Trabalho e produção econômica ocupa lugar de destaque na obra A revolução dos bichos, até mesmo por tratar-se de uma fábula contextualizada numa fazenda. Nesse sentido, o conceito histórico, trabalho, pode destacar as diferentes formas de produção e organização da vida social, nas quais, a participação de homens e mulheres da comunidade e de múltiplas gerações serão observadas (os bichos da Granja do Solar reconheceram sua capacidade de redefinir a ordem social da fazenda, tornando a propriedade coletiva).
O terceiro conceito listado pode ser trabalhado, junto aos discentes, visando construir habilidades, tais como, a compreensão do jogo das relações de dominação, subordinação e resistência nas construções políticas, sociais e econômicas (Na Granja do Solar, os animais, depois da expulsão dos humanos, tomaram o poder e passaram a dirigir a fazenda. Na ocasião, os porcos, por saberem ler e escrever lideravam a fazenda. Entretanto, com o passar do tempo, os porcos passaram a oprimir e explorar os demais animais, de forma semelhante à que ocorria anteriormente com o domínio dos humanos).
Durante toda a obra, George Orwell, nos oferece uma fábula repleta de lições políticas e sociais, de grande valia para a nossa formação cidadã. A atualidade de seu livro será periodicamente corroborada pela necessidade de aprimoramento das atitudes e valores individuais e sociais, para o efetivo exercício do conhecimento crítico e autônomo dos indivíduos.
Agora compreendo muito bem a afirmativa do escritor Clauder Arcanjo, intimando-me à leitura de A revolução dos bichos, de George Orwell: Você que é historiador deve ler este livro! Acrescentemos: todos devem ler este livro!

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